O cine Coral
Dante Ancona Lopes idealiza em 1958 o cine Coral, “que vinha para atender um público que não ficava satisfeito com
o filme de todo dia, aquele cidadão que não quer feijão com arroz todo dia”
(depoimento de Dante à Divisão de Pesquisas, em 25/6/1982).
O Coral, no centro da cidade, se transforma em
pouco tempo no ponto de encontro de uma platéia ávida por emoções
cinematográficas menos convencionais. Lá são exibidos filmes de Antonioni,
Fellini (“A Doce Vida” fica meses em cartaz), “Os Incompreendidos” de Truffaut,
“O Ano Passado em Marienbad”... pautando sua programação com títulos que os
exibidores geralmente rejeitavam sob argumento de prejuízo certo.
Dante Ancona Lopez : “Eu
construí o Coral num terreno onde existia o depósito de um
jornal do Rio chamado 'A Noite', e o terreno era do Dr. Sacramento. Eu aluguei o
terreno por dez anos e construí, assumindo o compromisso de no prazo acertado
entregar tudo que tivesse construído para ele. Meu plano era amortizar a
construção em quatro anos e eu aproveitaria o resto dos seis para mim, mas eu
amortizei a construção em apenas dois anos. Quer dizer, a programação foi boa e
o público correspondeu. Depois usei mais cinco anos e acabei vendendo o
contrato para o Valanci (exibidor carioca) porque resolvi que ia viajar com a
minha mulher pelo mundo”.
Quando Dante Ancona Lopes abriu o cine Coral para atender a uma clientela
cinematográfica que se encontrava órfã diante da programação dos cinemas da
Capital. Tinha claro para si inúmeras possibilidades inexploradas no circuito
comercial, justamente pela falta de ousadia de outros empresários, ou em outras
palavras, pelas deformações impostas e cristalizadas ao longo de décadas de
convivência com platéias dóceis e praticamente formadas a partir de uma única
fonte de filmes de Hollywood, através dos distribuidores americanos e
associados nacionais. O Coral exibiu Fellini, Antonioni, Resnais,
Truffaut, entre outros, e superou todas as expectativas, inclusive as do seu
idealizador. A resposta do público foi um sinal eloqüente a confirmar a
existência de faixas de público a serem sensibilizadas por uma programação
cinematográfica mais variada e sofisticada.
Depois do sucesso do Coral, o nome Dante Ancona Lopes ficou ligado aos
cinemas de arte da cidade. A Serrador vai convocá-lo para recuperar o cine Picolino e, posteriormente, para conceber o Belas Artes - a sala de maior prestígio na cidade pela
sua programação e localização na esquina da avenida Paulista com a Consolação. Com
a venda do Belas Artes para a Gaumont
do Brasil (sucedida pela Alvorada), Dante se
estabelece no Cinearte (no Conjunto Nacional, na avenida
Paulista).
Texto do livro “Salas de cinema em São Paulo”, de Inimá Simões -
1990
Este
cinema se caracterizou pelo fato de ser a primeira experiência bem-sucedida na
implantação de uma sala totalmente voltada para o público amante do chamado
film d’art. A iniciativa inovadora do Coral serviu de modelo para a instalação de outras
salas de arte pelo resto do país, nos anos que se seguiram.
O Coral, sob a tutela
da programação de Dante Ancona, serviu como espaço de divulgação da
cinematografia internacional emergente nos anos 1950, onde se pode destacar a
geração do pós-neo-realismo italiano e as produções oriundas do leste europeu,
entre outras. O Coral se consagrou como um espaço bastante
rentável, fato que permitiu ao já veterano programador, após oito anos de
atividade, a possibilidade de realizar uma viagem ao redor do mundo com a sua
esposa Dona Linda.
Por
algum tempo, o Coral também abrigou a sede da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), criada em 1962 para apoiar a Fundação Cinemateca Brasileira.
Pesquisa, seleção e edição de texto :
André Piero
Gatti, Carlos Augusto Calil, Hugo Malavolta e Plácido de Campos Jr.
Parte do depoimento de Dante Ancona Lopez concedido a Plácido de Campos Jr. em 1993:
Com alguma dificuldade consegui abrir, na Rua 7 de Abril, o cine
Coral, já consciente da possibilidade de uma programação diferenciada daquilo que então se fazia. Seria o "Cinema de Arte", embora o cinema tradicional ou comercial também tivesse espaço.
A ideia básica ia na direção de uma programação menos voltada e preocupada com o retorno comercial imediato e mais atenta à difusão do cinema, porque faltava uma sala que exibisse as muitas fitas paradas em várias distribuidoras: fitas de Fellini, de Antonioni, de Resnais que não eram exibidas. Abri em 1958 e a experiência do cine
Coral foi bem sucedida e durou oito anos; depois vendi o cinema e dei um giro pelo mundo com minha esposa.
Fui convidado, na volta ao Brasil - pela Companhia Serrador, do Julio e do Florentino Llorente -, para levar, no cine
Picolino da Rua Augusta, uma programação de perfil similar àquela que fazia no
Coral. Isto porque o
Picolino, naquele momento, estava se ressentindo de falta de público. A Cia. Serrador pretendia diferenciar a programação do
Picolino e, com a colaboração do Rudá de Andrade, começamos a trabalhar.
A programação era feita a partir dos títulos disponíveis nas carteiras das distribuidoras. Porém, com início da participação da SAC - Sociedade Amigos da Cinemateca - que agia como um conselho informal de orientação e onde as figuras de Paulo Emilio Salles Gomes e Rudá de Andrade foram determinantes -, fomos ficando mais ambiciosos.
O
Picolino se transformou no maior sucesso de público na Rua Augusta. A Metro Goldwyn Mayer impôs à Cia. Serrador, quando da renovação do contrato de distribuição de seus filmes, que o
Picolino fosse incluído na programação. Quer dizer, uma vez valorizado o
Picolino, a Metro o exigiu e a Serrador teve que ceder. Houve uma discussão pesada e minha resposta foi seca e negativa. Para contemporizar com a situação, o Florentino me prometeu ceder em 24 horas um outro cinema e, ciente dos resultados positivos anteriores, propôs o antigo cine
Trianon, que se transformou no
Belas Artes.
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Projeto do cine Coral |
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Noite festiva de inauguração - 17/09/1958 |
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Noite festiva de inauguração - 17/09/1958 |
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17/09/1958 |
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17/09/1958 |
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17/09/1958 |
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A partir de 13/12/1977, duas salas. |
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A partir de 13/12/1977, duas salas. |
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2014 |