Endereço : Av. Dr. Januário Miráglia, 1582 - Vila Abernéssia
Campos do Jordão - SP
Em funcionamento ? : Sim.
Hoje, Espaço Cultural Doutor Além, com exibições cinematográficas.
Possui uma biblioteca de cinema e é sede do Cineclube Araucária.
Fotos atuais (prédio rosa): Antonio Ricardo Soriano - 23/05/2015
Por
Edmundo Ferreira da Rocha (Criador do site "Campos do Jordão Cultura")
Realmente, como o próprio nome já identificava o
nosso querido cinema, de grandes e saudosas memórias, foi uma grande GLÓRIA
para nós, jordanenses.
O Cine Glória, inaugurado nos idos de 1940, foi,
durante várias décadas, o grande e principal ponto de encontro e de
entretenimento da população jordanense e dos turistas que nos visitaram até a
década de sessenta. Foi a alegria da criançada, dos jovens, dos namorados, dos
noivos, dos casais e de todos aqueles que amaram a arte cinematográfica.
Em suas telas foram exibidas as maiores e melhores
películas nacionais e internacionais que surgiram durante esse período e,
inclusive, filmes de épocas anteriores e de renome mundial. Claro, também,
foram exibidos filmes que não mereciam nem ter sido produzidos.
Durante todo esse período, o Cine Glória tinha
sessões diárias e não cerrava suas portas em nenhum dia da semana. De segunda a
sábado, tinha as suas sessões tradicionais às 15h30min e 20 horas. Nos
domingos, a programação era intensa. Começava com a famosa e maravilhosa Sessão
ZIG-ZAG, às dez horas da manhã, onde eram exibidos filmes para a garotada. Eram
desenhos animados, comédias, seriados, etc. Logo em seguida, às 13h15min – uma
e quinze, como ficou famosa –, exibia filmes de “cowboys”, de mocinhos,
bandidos e xerifes, como chamávamos, e seriados que nos obrigavam a não perder
uma sessão sequer. Na sequência, às 15h30min, 19h e 21h, as sessões
tradicionais, com a apresentação de um mesmo filme, porém para uma plateia já
mais distinta e sujeita à censura de idade.
Tudo era maravilhoso e aguardado com grande
expectativa e entusiasmo durante toda a semana, especialmente para a garotada e
jovens, que faziam de tudo para conseguir de seus pais, tios, amigos e avós o
dinheiro necessário para a compra dos respectivos ingressos. Muitas vezes, a
liberação do dinheiro para a compra desses ingressos ficava condicionada ao bom
comportamento, à obediência, à necessidade do estudo com assiduidade e
responsabilidade, da exibição da caderneta escolar com as notas de aprovação etc.
Grande parte da garotada e juventude assistia às
sessões ZIG-ZAG às 10 horas da manhã e já ficava na espera, para assistir às
sessões da uma e quinze. Alguns, dependendo da censura do filme das 15h30min,
também ficavam na espera para assistir a eles.
Nas sessões ZIG-ZAG, a expectativa era no sentido
de que fossem exibidos os desenhos animados maravilhosos, produzidos por Walt
Disney e sua equipe, com seus personagens fantásticos, como Pato Donald e
Margarida, os três sobrinhos – Huguinho, Zezinho e Luizinho –, Tio Patinhas, o
sortudo Gastão, Mickey e Minnie, Pateta e Pluto, Tico e Teco, Grilo Falante, Zé
Carioca, Lobão e Lobinho e os filmes da Branca de Neve e os Sete Anões, Bambi,
Tambor e Flor, Pinóquio, A Bela Adormecida, A Dama e o Vagabundo, Peter Pan e o
Capitão Gancho, os Irmãos Metralha etc., e os outros desenhos de produtores
diversos, como Hanna-Barbera, com a famosa dupla Tom e Jerry e outros, Frajola
e Piu-Piu, Gaguinho, Pernalonga, os filmes do Gordo e o Magro, Os Três Patetas,
Carlitos (Charles Chaplin) e tantos outros.
Nas sessões da uma e quinze os famosos e
espetaculares filmes de aventuras dos mocinhos mais tradicionais do cinema,
como Gene Autry, Roy Rogers, Hoppalong Cassidy, Zorro, Durango Kid, Búfalo
Bill, Buck Jones, Johnny Mack Brown, Tim Holt, Tom Mix, Rex Allen e muitos
outros, sempre às voltas com os bandidos e índios Peles Vermelhas. Também eram
exibidos filmes que eram demasiadamente apreciados pela juventude, como o
Capitão Marvel, Homem Aranha, Mandrake, Capitão América, Fantasma, Batman e
Robin, Shazam, Don Chicote e Flecha Ligeira, Tarzã, especialmente aqueles com o
preferido Johnny Weissmuller, Chita, Jane e Boy, Jim das Selvas, as aventuras
do espetacular cachorro pastor alemão Rin-Tin-Tin e, antes do encerramento das
sessões, os tradicionais, intrigantes e esperados seriados que eram o grande
chamativo para que não deixássemos de assistir ao próximo capítulo. Os seriados
representavam, naquela época, o mesmo que as novelas representam hoje, em
nossos dias. Essas sessões eram concorridíssimas e vividas intensamente com
muito entusiasmo e emoção. Alguns seriados ficaram famosos: Dentre muitos, Os
Segredos de Nyoka, O Cavaleiro Fantasma, com Buck Jones, A volta do Zorro, com
John Carrol, Os mistérios de Fumanchu.
Cada vez que o mocinho se saía bem em determinada
situação era um alvoroço, a criançada e os jovens assobiavam, batiam palma,
gritavam, faziam a maior algazarra e não perdiam um detalhe sequer das cenas
seguintes. Além disso, tudo era muito gostoso participar dessas sessões que,
por via de regra, eram regadas pelas pipocas quentinhas, feitas na entrada do
cinema no carrinho especial com fogareiro a querosene pelo saudoso Sr. Clides
(Euclides) que morava ali nos fundos da Vila Ferraz, que também levava, já
previamente preparados em sua casa, porém bem quentinhos, os inigualáveis e
deliciosos amendoins torrados na casca que, na época do inverno, para espantar
um pouquinho o frio, colocávamos nos bolsos das calças e ajudavam a esquentar
nossas pernas.
Era muito gostoso, divertido e muito bom; porém, com certeza, era horrível e muito trabalhoso para o pessoal que fazia a limpeza do cinema, pois as cascas retiradas dos amendoins e as suas películas vermelhas, infelizmente, eram jogadas no chão. Varrer e retirar toda aquela sujeira deve ter gerado, inúmeras vezes, muitos xingamentos pesados e até merecidos.
Era muito gostoso, divertido e muito bom; porém, com certeza, era horrível e muito trabalhoso para o pessoal que fazia a limpeza do cinema, pois as cascas retiradas dos amendoins e as suas películas vermelhas, infelizmente, eram jogadas no chão. Varrer e retirar toda aquela sujeira deve ter gerado, inúmeras vezes, muitos xingamentos pesados e até merecidos.
Na Bombonière do cinema era comum comprarmos uma
espécie de goma que tinha o nome de Fruna. Dentro de suas embalagens vinha uma
figurinha com artistas do cinema, as quais eram colecionadas, trocadas e
utilizadas para o jogo da abafa-abafa. Nesse jogo, que dependia das apostas, as
figurinhas eram colocadas no chão ou sobre uma mesa – se existisse alguma nas
proximidades –, duas, três, quatro ou mais por participante, com a principal figura
virada para baixo, e o jogo era iniciado com o tradicional par ou ímpar. Quem
vencesse tinha o direito de começar. Batia com a palma da mão sobre o monte de
figurinhas e seria o dono daquelas que ficassem com a figura principal à vista
e desviradas. Se não conseguisse desvirar nenhuma delas, o adversário seria o
próximo a tentar desvirar as figurinhas, e assim sucessivamente, até não restar
figurinhas a serem desviradas.
Nesse nosso saudoso Cine Glória aconteceu muitas
histórias maravilhosas, de flertes inocentes de crianças, de namorinhos à
distância, de amores clandestinos, de intensas paixões e gamações juvenis
maravilhosas, e até de amores e paixões eternamente duradouras por todos os
tempos.
Não podemos deixar de lembrar: das figuras inesquecíveis
que por lá passaram e que eram os responsáveis pelo Cine Glória, o Sr.
Sebastião Corrêa Cintra e José Pinheiro Silva, que foram seus dedicados
gerentes durante longos anos; do Sr. Romeu Godoy e do Sr. Maiolino, que foram
os projecionistas; do pessoal da bilheteria, entre os quais o Sr. Phelipe, o
Olavo Sandin, o Medeiros e o Sr. Primitivo Sotello; do Aristarco de Assis,
artista responsável pela elaboração dos letreiros e cartazes das propagandas
dos filmes; da D. Maria, esposa do Sr. Romeu Godoy, que tomava conta da Bombonière;
dos porteiros Mauro Medeiros e o Sr. Nico; dos famosos três pisos do cinema: a plateia,
situada no piso térreo, com suas tradicionais poltronas de madeira da Marca
“CIMO”, com assento basculante; do “Pulmann”, situado entre o piso térreo e
segundo andar, local privilegiado e sofisticado do cinema, com ingressos de
preços mais caros, com direito a poltronas estofadas em ambiente mais refinado.
Algumas dessas poltronas recebiam uma capa de tecido especial, devidamente
identificadas com letras graúdas, ficando reservadas, exclusivamente, para as
autoridades Municipais e respectivas esposas, como Promotor de Justiça, Juiz de
Direito, Delegado de Polícia e Prefeito Municipal. Do setor da Geral, com seus
bancos de concreto, com ingressos a preços bem reduzidos, entrada externa e
independente, situado no segundo e último andar, pejorativamente denominado,
por todos, de poleiro.
Também, é impossível deixar de lembrar os exigentes
e rigorosos Comissários de Menores que sempre estavam nas sessões da tarde e da
noite, zelando e exigindo o fiel cumprimento das censuras impostas e
estabelecidas para a exibição dos filmes. Entre eles, o Armênio Soares Pereira,
o Mário Andreoli, o Agripino Lopes de Moraes, o Walter Vasconcellos, a D.
Carmem Astolfi e a D. Elisa Guedes Lagoa. Enfim, quem viveu um pouco nessa
época jamais irá esquecê-los.
Infelizmente, nos dias de hoje, essas maravilhas
nunca mais irão se repetir. Hoje, a juventude e as pessoas têm outras opções de
divertimento e lazer muito diferentes dessas, que eram simples e inocentes,
onde não havia maldade ou perigo de qualquer espécie. Esse privilégio creiam,
para nossa alegria e satisfação, foi somente nosso. Prova disso é que a maioria
dos cinemas já teve suas portas fechadas ou suas quantidades sensivelmente
reduzidas, especialmente após o incremento e a redução dos custos dos aparelhos
de televisão, possibilitando que as pessoas vejam seus filmes e programas
prediletos no aconchego de seus lares, porém em prejuízo do convívio público
com amigos e pessoas da sociedade.
Enquanto
vivermos, a lembrança do Cine Glória e de suas histórias fantásticas ficará
eternizada em nossas memórias, com muita saudade.